Quando começou nesse cáustico terreno da bola, Keirrison era só mais um nome cuja origem os torcedores indagavam.
Mas a simplicidade com que o menino concluía ao gol encarregou de apresentá-lo aos geraldinos do Couto Pereira. Em poucas rodadas, o antes estranho sujeito já ocupava o refrão de músicas entoadas pelo povão, obrigando os compositores de arquibancada a estabelecer rimas impensadas.
Mas como não existe começo fácil para quem vive de Futebol, os roteiristas desse grande teatro da bola trataram de punir o menino com a mais grave lesão presente na apostila médica: o rompimento completo dos ligamentos do joelho.
Foram sete meses de molho até o avante vencer as muletas e reestabelecer o caso sórdido de amor que mantinha com os gols.
A fama correu o Brasil e Keirrison logo trocou de verde. Do Couto Pereira para o Parque Antarctica. E foi protagonista da melhor estreia de um atacante em toda a história do Palestra: dezesseis gols em quatorze jogos.
A fama, agora, corria o mundo. E Keirrison era do Barcelona. Mas nem chegou a vestir a azul-grená e foi peremptoriamente emprestado ao Benfica.
E foi lá, na terra de José Saramago, que começou a cólera desse Homem Duplicado.
Keirrison passou a ser outro Keirrison. Um que desconhecia toda e qualquer habilidade para o Futebol. Em sete jogos à beira do Tejo, nenhum gol.
Foi para a Fiorentina. Nada também. Doze jogos, dois gols – pouco para uma torcida que se habituou com Batistuta.
Feito um Tertuliano Máximo Afonso, personagem-mor da obra de Saramago, Keirrison procurava em vão pelo seu próprio eu.
Tentou no Brasil, vestindo a camisa do Santos. E nada.
Depois, no Cruzeiro. Nada de novo.
Na Toca da Raposa, conseguiu apenas o improvável: uma reincidente, cruel e hedionda lesão nos ligamentos daquele mesmo joelho débil – Keirrison via fechar diante de si a cortina do Futebol.
Como o filho pródigo, ele procurou abrigo na casa do pai. Era o último gesto antes de um adeus precoce.
De volta ao Coxa, enfim, o camisa 9 flertava com o retorno aos campos. Foi quando, num lance inocente, quase estúpido de treino com bola, o sórdido pássaro da infelicidade aproveitou a distração do jogador para ceifar, mais uma vez, seus mesmos ligamentos.
Abria-se diante de Keirrison o cadafalso – numa medida covarde e unilateral, o Futebol rompia seu contrato com ele.
Mas acontece que os sagazes roteiristas da bola têm também, escondido em algum lugar, uma pequena dose de bom ânimo. E resolveram munir o garoto de nova oportunidade.
Três lesões idênticas depois, Keirrison voltou.
Fez algumas partidas duvidáveis pelo Coritiba mas, confirmando a ingratidão do filho pródigo, guardou o veneno para usar contra o Cruzeiro, em jogo válido pela 30ª rodada do Brasileirão 2013.
O placar apontava uma igualdade salomônica de um tento a um quando, aos 29 minutos do segundo tempo, o mirrado artilheiro lançou a testa contra a bola e viu, pela primeira vez em longos dois anos, o barbante estufar. O som do povão levantando do concreto do Alto da Glória foi a trilha de uma volta impensada, de uma revanche merecida.
O avante foi marchando até a ferradura de entrada do estádio para sentir o calor dos populares. Tirou a camisa, bateu no peito e fitou demoradamente aqueles milhares de néscios que ocupavam o concreto, pensando se aquilo tudo era mesmo fato consumado.
Aquele êxtase completo e absoluto que pairava sobre o Alto da Glória teria mesmo sido desenhado por ele? Seus joelhos débeis haviam deixado com que ele voltasse a protagonizar o momento maior do Futebol?
Sim, meu amigos. Sim.
Keirrison devolveu o sorriso à sua torcida. Mas mais do que isso, caros leitores, o menino de nome estranho estampou na sua própria cara o indefectível sorriso da vingança.
Ali, aos pés dos arquibaldos que faziam papel do pai que abre a casa ao filho perdido, Keirrison se entregou aos soluços que precedem o pranto. Inundou seus olhos da doce lágrima de quem se habituou à amargura.
Era a lágrima do combatente que se levanta da pugna, atravessa iracundo o campo de batalha e golpeia o peito da ironia.
Keirrison venceu.
*Foto Felipe Rosa/ Tribuna/Gazeta do Povo
Gosto do teu talento..! Tuas crônicas são poesia.
São um presente para o dia!
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Bondade sua. Mas agradeço pela leitura, que me honra.
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Só cabe um pequeno comentário: SIMPLESMENTE EMOCIONANTE!!! Ler esse texto e lembrar do momento do gol até a comemoração foi de marejar os olhos!!!!
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De fato, foi marcante ver o menino voltar a marcar. Merece as glórias todas que lhe foram roubadas.
Obrigado pelo carinho da sua audiência.
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Parabéns, ótimo texto e realmente emocionante. Equiparável ao talento do “menino de nome estranho” a sua capacidade de escrita.
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Ora, Felipe. Trata-se de um gesto de grande bondade sua.
Agradeço em demasia pela sua leitura. Um forte abraço,
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Cr^nica simplesmente fantástica, uma leitura perfeita de tudo que aconteceu com esse menino, que esta volta seja abençoada para ele e que seus Joelhos tão bem lembrados nesta crônica o deixem brincar com a bola
e nos propiciem outros emocionantes momentos como vivemos ontem, grande abraço
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Obrigado. Sou apenas o mensageiro. Os méritos são do menino que salpicou de sorrisos o Couto Pereira.
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Parabéns menino de nome estranho,e ao velhocronista de palavra maravilhosas.Abraço,
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Agradeço pelo carinho, Ricardo. Bom tê-lo por aqui.
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Domingo, assistindo o jogo pela TV, me emocionei junto com o piá, nosso querido K9. E hoje, ao ler esta maravilhosa crônica, me emocionei de novo. Será que estou ficando velho emotivo? Que seja. Prabéns pelo texto, e que nosso K9 ainda nos traga muitas alegrias. Abraço.
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O Futebol é mesmo portador de histórias incríveis, Elói. E me sinto abençoado por poder narrar algumas delas, como a desse menino. Obrigado pela leitura e pelo comentário afável.
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Belo texto ,conseguiu representar como poucos o sentimento na hora do gol . a tempos não sentia a emoção que senti nesse domingo e tenha certeza ,não só o kerrison enxugou suas lagrimas no nosso manto , mais também boa parte da torcida .
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Obrigadíssimo pela leitura, Maikon. E pela colaboração. Uma crônica é feita do que pensam seus leitores.
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Maravilha de texto , muito emocionante e parabéns pelas palavras muito bem colocadas, este é e sempre será nosso menino de nome estranho independentemente dos seus caminhos , que nos traga muitas alegrias.
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Obrigado pelo carinho, Cinthia. Espero vê-la sempre por aqui.
Um forte abraço,
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Belo texto…me emocionei com nosso menino domingo….parabéns!!!
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Foi, de fato, bonito demais, Vania. Obrigado pela preciosa contribuição. Um abraço,
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Lindo texto, passarei a acompanhar.
Abraço
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Obrigado, Johnny. O fato de você acompanhar o blogue é algo que me motiva deveras. Obrigadaço,
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Aquele mesmo cisquinho que caiu nos olhos do K9 na hora do gol, teimou em cair nesses meus olhos após ler seu texto. Parabéns!
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Méritos do menino, Aru. Mas te agradeço muito pelo carinho. Tocante.
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#coxalíder
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Que texto hein!!! O primeiro de todos que passarei a acompanhar.
K19 voltou.
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Bacana, Eto. Obrigado pela visita. Forte abraço,
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Muito bom seu “estilo de escrever”. Ganhou um leitor fiel. Parabéns!
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Agradecido pelas palavras, meu caro. E agradeço o prestígio da sua audiência.
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De encher os olhos de lagrimas
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Eis o poder do Futebol, Beno.
Obrigado pela visita. Grande abraço.
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