O DONO DO GESTO


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Primeiro nos surrupiaram a taça Jules Rimet. Agora, sem o menor sinal de diligência, a vida nos toma de assalto Bellini, o capitão que canonizou nossa tacinha.

Já perdemos outros campeões antes. E todos nos doeram na alma.

Mas esse foi diferente.

Porque Bellini não foi só um jogador extraordinário, lendário beque de vigor físico exuberante, contumaz cabeceador. Foi, antes e acima de tudo, um marco indelével na história do Futebol.

Foi dele a ideia primeira de levantar a taça na hora da comemoração. Tomado por uma humildade arrebatadora, o eterno capitão quis oferecer o troféu ao mundo todo, dedicar aos arquibaldos na Suécia a graça tenra da tacinha de ouro. E quis também, orgulhoso, mostrar aos fotógrafos do mundo todo o espólio da sua guerra.

Aquele era o primeiro título do Brasil. E podemos dizer, sem grande temor, que era também o primeiro título da história do Futebol – nenhum dos campeões anteriores tomou o cuidado capital de erguer o troféu acima da cabeça e, assim, numa distração tétrica, esqueceram de legitimar suas conquistas com o gesto essencial.

Tiremos, portanto, cada estrela bordada numa camisa antes de 1958. Perdoemos, de uma vez por todas, o nosso Barbosa, visto que aquele Maracanazzo, aquele chute medonho de Ghiggia não nos tirou rigorosamente nada.

A graça suprema, o sumo instante do Futebol, a ação que autentica uma conquista nasceu só depois, na Suécia, naquele 29 de junho de 1958.

E de lá para cá, todo capitão do mundo ergue suas taças não só para celebrar um título, mas para brindar publicamente o homem que inventou o maior momento do Futebol.

O teu gesto, Bellini, vale mais que o ouro da Jules Rimet.

Foto: Agência Estado

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9 comentários sobre “O DONO DO GESTO

  1. André Santini disse:

    Quando soube da morte do Bellini, imediatamente pensei “o que dirá o Velho Cronista sobre este triste momento”. Não deu outra, disse o que ninguém mais precisa dizer.

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  2. Z. disse:

    caro velho,

    neste virtual espaço sideral, as idas e vindas do telefone sem fio destas redes me indicaram para chegar até vc.

    e como é bom ler ótimos textos como os seus, que realmente nos levam aos tempos idos da nossa crônica futebolística. sensacional!

    bem, também ouso batucar as pretinhas neste mundo, num blog que tenho – “à sombra da mangueira imortal”.

    vejamos se não fazemos algumas tabelinhas por aí.

    um abraço,

    z. iljitsch samsa

    p.s. vi que vc falou, e disse tudo, sobre a libertadores… nesta linha também me debrucei: http://abuladabola.blogspot.com.br/2014/02/libertadores.html.
    e diante da angustiante semana que virá, nada como lembrar disso,

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    • Ora, mas que visita aprazível esta sua, Z.

      Dia desses tive a felicidade de ser convidado ao seu blogue e lembro de ter gostado deveras de um texto sobre Futebol. Fico contente com a reciprocidade e espero que estas crônicas te tragam o mesmo prazer.

      Espero que você continue nos brindando com cada vez mais textos sobre o mundo da bola – é bom ver que Nelson Rodrigues ainda inspira alguém hoje.

      Forte abraço,

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    • Giselda, o seu comentário é um desses monumentos que queremos erguer em torno da vida.

      Não há resposta minha que explique tamanha alegria. Seria preciso você perguntar à minha senhora, que escutava o meu sorriso pelo telefone quando liguei para anunciar a nova.

      A sua emoção por conta dessa crônica e o modo gentil como a senhora apareceu para me contar merecem não um reles comentário, como este, mas uma crônica inteira.

      É a minha maneira de retribuir a alegria que você me trouxe.

      Um grande abraço, carregado de saudade do Bellini,
      Velho Cronista.

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  3. Giselda Bellini disse:

    Obrigada por suas palavras. Recebi a crônica por e-mail de um fã ardoroso do Bellini que nem o conheço pessoalmente. O Bellini foi muito homenageado pelos cronistas de jornais, revistas, sites esportivos, etc com textos lindos e esperei até agora para selecionar a fim de publicá-la na página que fiz para ele no facebook que conta com quase 1500 curtidores. Se quiser visitá-la estará lá sua crônica. O link é : https://www.facebook.com/Bellini58?ref=profile

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    • Eu é que tenho de agradecer, Giselda. Você não consegue mensurar a importância que a sua leitura teve para mim. Quiser eu poder ter escrito uma homenagem ao Bellini ainda em vida. Ele merecia isso e tudo o mais.

      Sobre o meu nome, uso apenas Velho Cronista. Faz parte da persona. Obrigado, entretanto, pelo interesse, que me deixa lisonjeado.

      Um grande e fraternal abraço, com toda sorte de saudade do grande homem que foi Bellini,
      Velho Cronista

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